Em junho nosso comparsa André Camargo, juntamente com Haroldo Guedes e Carlos Felicio, fizeram a clássica e transcendental trilha Inca, que liga Ollantaytambo à cidade pré-colombiana de Machu Picchu no Peru. Pra quem não sabe, existem duas formas de chegar a Machu Picchu, uma é de trem, em uma viagem de aproximadamente 4 horas partindo de Cusco, a outra é caminhando. A trilha completa - e que foi escolhida por esses caras - dura 4 dias percorrendo cerca de 50 km de subidas e descidas intermináveis em meio a floresta nativa. Esse era o caminho original utilizado pelo povo Inca pra sair e chegar à cidade, que foi descoberta em 1911.
Nós já tínhamos esse destino na nossa wishlist, mas depois de ler e ouvir os relatos dessa caminhada tivemos a certeza de que a imersão na cultura Inca e as dificuldades enfrentadas durante o caminho, fazem de Machu Picchu um prêmio pra quem decide chegar até lá por essa rota!
1º DIA
Distância Percorrida: 10.500 metros
Tempo total: 4 horas e 19 min
Altitude Acampamento 1: 3.010 metros
Nossa jornada começou as 6:45 hrs da manhã, 45 minutos depois do horário combinado (em determinado momento pensamos ter caído em algum golpe peruano) quando uma van nos pegou no hostel, na cidade de Cusco. A ansiedade estava estampada em nossos rostos, na verdade era uma mistura de curiosidade e apreensão por aquilo que nos esperava.
O trajeto de van até o ponto de partida da trilha durou quase 3 horas, com uma breve parada para um café, e a aquisição deste caderninho para registro de toda essa aventura.
Apesar de junho ser um mês tipicamente seco na região, nos deparamos com um dia chuvoso. A ficha com os desafios que teríamos pela frente começou a cair no momento em que tivemos que entregar nossos documentos no portal de entrada da trilha Inca. Eufóricos com os primeiros passos e exuberantes paisagens, iniciamos nossa caminhada com muita chuva, vento e frio, algo em torno de uns 5 graus. Além de todas essas adversidades, ainda estávamos muito preocupados com todo o peso que carregaríamos em nossas mochilas durante o trajeto.
Passados 10 minutos de caminhada o tempo deu uma melhorada, parando de chover. O clima ficou alternando entre um céu nublado e sol entre nuvens. Em nosso percurso cruzamos com diversos outros grupos de aventureiros de todo o mundo, além de nativos da região e outros integrantes de apoio de outras expedições.
Por conta da segurança e da política de preservação local, só é permitido a permanência de 500 pessoas no parque, sendo que o total de turistas não passa de cerca de 200, sendo o resto de guias e carregadores.
Nesse primeiro dia nosso guia Reynaldo teve muita paciência conosco, esclarecendo as milhares de perguntas que fizemos sobre a história Inca, vegetação local, paisagens, e ruínas que nos deparamos pelo caminho. Reynaldo era um poço de conhecimento. Também fomos surpreendidos com a receptividade de toda a equipe de apoio nas paradas para as refeições, assim como também no cuidado e qualidade no preparo do que nos foi servido. No almoço tivemos uma sopa de legumes, arroz, frango e legumes salteados, todos eles muito saborosos, nunca faltando aquela pitadinha de coentro, que sem dúvidas, é o tempero mais utilizado por eles. Para digestão um chá. No jantar, após um café da tarde com bolachas e pipoca, desfrutamos de uma truta grelhada com molho de tomate e ervilhas, além de macarrão e batatas cobertos por queijo. Durante a refeição tivemos mais uma aula de história sobre a cultura Inca, e uma conversa descontraída sobre a cultura tanto do Peru quanto do Brasil. Fechando o dia com chave de ouro!
Perdemos a noção do tempo. Sem luz alguma ao nosso redor, o breu tomou conta de todo o acampamento. Fomos dormir perto das 21 hrs.
2º DIA
Distância Percorrida: 12.050 metros
Tempo total: 8 horas
Altitude Acampamento 2: 3.600 metros
Acordamos às 05:30 hrs debaixo de uma leve chuva, porém o frio estava intenso, perto de 1ºC. Tomamos nosso mate de coca bem quente ainda na barraca, depois desfrutamos do desayuno preparado por José - o cozinheiro - e sua equipe.
Ainda um pouco cansados do 1º dia, saímos para a caminhada do dia. Estávamos um pouco preocupados com a informação de que esse seria o dia mais desgastante de todos, com montanhas muito altas pela frente para serem enfrentadas. Logo no início do percurso passamos por um ponto de controle onde pudemos pesar nossas mochilas. Para nosso espanto nossas mochilas realmente estavam muito pesadas, com aproximadamente 12 kg cada.
Durante o trajeto, nos deparamos com vários tipos de vegetação e paisagens. Os 2 primeiros trechos foram de uma caminhada extremamente difícil, com intermináveis subidas de escadas de pedras, acompanhados de muito frio, garoa fina e intensa (típica de Curitiba), e neblina. Depois de 4 hrs de sofrimento tivemos uma sensação de alívio e conquista, pois atingimos o topo da mais alta montanha aos 4.200 metros de altitude, o Pico Warmiwañusca - em português o passo da mulher morta. Mesmo quase sem conseguir nos comunicarmos, estava clara a satisfação daquele feito em nossos rostos. A barra de chocolate devorada em segundos foi um prêmio pela conquista e também combustível para continuarmos nossa jornada.
Iniciamos então a tão aguardada bajada, que teoricamente em nossas cabeças seria um percurso muito mais tranquilo. Disse TEORICAMENTE.
Foram 3 km de descida de incontáveis lisos degraus, alguns grandes e largos, outros pequenos e altos, mas todos eles destruidores de joelhos e ombros devido ao peso do que carregávamos. A neblina, o frio e a chuva foram fiéis companheiras durante todo o dia 02.
Apesar de todas as complicações e adversidades, nesse dia mantivemos um bom ritmo de caminhada, e seguimos direto para o acampamento, sem parada para o almoço. Chegamos por volta das 15 hrs, DESTRUÍDOS. O cansaço era tanto que nem tivemos forças para comer. Fomos direto para as barracas para tentar descansar. Nesse acampamento estávamos à 3.600 metros de altitude, e parecia que estávamos deitados dentro de uma geladeira. Levantamos às 18 hrs com os pés congelados e roupas muito úmidas, e seguimos para nos alimentarmos. Dessa vez tivemos pizza, macarronada e frango na refeição. Depois disso nosso guia nos passou um briefing do dia seguinte. Durante a conversa comentamos com o Reynaldo que além das dores musculares dois de nós também estávamos apresentando algumas dores de cabeça e no estômago. No mesmo momento os peruanos da equipe de suporte que nos acompanhavam já trataram de preparam um chá especial com plantas típicas da região, colhidas ali na hora. Esses costumes de tratarem diversos tipos de dores e doenças com plantas típicas vem desde a época dos Incas, ou até antes deles. A cultura Inca praticou a medicina tradicionalmente baseada no uso de plantas medicinais e rituais de magia ou conjuros energéticos relacionados ao aspecto religioso. A eficácia da medicina Inca foi comprovada nos relatos dos primeiros colonos espanhóis, que inclusive difundiram os benefícios curativos das ervas e das raízes medicinais dos incas por toda a Europa, estabelecendo as primeiras escolas ocidentais para o estudo científico das plantas.
Fomos dormir antes s 20 hrs, preparando-nos para a aventura do próximo dia. Resultado desse sacrificante dia: 01 bolha na mão, 02 bolhas nos pés, dores insuportáveis nos ombros, joelhos, diarréia e muita tosse.
3º DIA
Distância Percorrida: 15.600 metros
Tempo total: 10 horas
Altitude Acampamento 3: 2.650 metros
“BUENOS DIAS CHICOS, TÉ DE COCA PARA USTEDES”… e assim iniciamos mais um dia às 05:30 hrs, após a noite mais fria da trip. Apesar de uma noite não muito bem dormida, constatamos que as plantas medicinais funcionam mesmo. O chá que tomamos melhorou muitas de nossas dores.
O dia amanheceu com o tempo mais estável, sem sinais de chuva, e uma bela vista das montanhas de frente para nosso acampamento. A propósito, na noite anterior, um pouco antes de dormir, pudemos observar um céu incrivelmente estrelado, e até mesmo algumas estrelas cadentes.
Após o café da manhã, saímos às 06:30 hrs para o dia de caminhada mais longa, 12 km de muita, mas muita descida - as já conhecidas bajadas. No período da manhã a caminhada foi até que tranqüila e agradável, com um trecho de subida nos primeiros 50 minutos, e depois com passagens por dois sítios arqueológicos muito bonitos e interessantes. Nesses locais tivemos diversas explicações sobre as construções Incas, que em sua maioria eram MULTIFUNCIONAIS, políticas, religiosas e econômicas. Pudemos então ter uma pequena noção do que veríamos em Muchu Picchu.
Entre as passagens pelos monumentos, tivemos uma parada para almoço em um local muito bonito, entre morros, com lindas paisagens e muitas Alpacas, animal típico da região e da família da Llamas.
No período da tarde o cansaço acumulado bateu, e intermináveis 4 hrs de descidas em escadarias nos deixaram exaustos, refletindo principalmente em nossos joelhos. Não imaginávamos que as descidas seriam tão sacrificantes.
Chegamos no camping por volta das 17 hrs, onde nos banhamos com os abençoados lenços umedecidos, e descansamos um pouco até o jantar. Após a comida, nos despedimos da equipe que nos auxiliou durante todo o tempo, o cozinheiro José, o auxiliar Valter, e outros dois “papacitos“ - forma como chamavam uns aos outros. Tiramos uma foto para recordação, e deixamos humildes 50 carinhosos Soles (moeda peruana), como agradecimento.
O grande dia estava próximo. Fomos dormir por volta das 19:30 hrs pensando na recompensa que seria o famoso Machu Picchu. Era cedo, pois acordaríamos às 03:40 hrs da manhã no dia seguinte. Em resumo, o dia terceiro dia foi até então o dia com as paisagens mais bonitas, clima mais estável, e a constatação de que poucos brasileiros passam pela experiência da verdadeira trilha Inca, sendo a maioria de europeus e norte americanos.
4º DIA
Distância Percorrida: 6.900 metros
Tempo total: 6 horas e 30 minutos
E chegou o grande dia! O dia da exploração e admiração às construções mais importantes e grandiosas deixadas pelos Incas, MACHU PICCHU.
Conforme combinado no dia anterior, deixamos todas nossas coisas organizadas nas barracas, pois teríamos que nos dirigir à fila do último ponto de controle da trilha e entrada à Machu Picchu muito cedo. Acordamos às 03:40 hrs, tomamos nosso chá de coca matinal ainda na barraca, e saímos para uma rápida caminhada até a fila. Chegamos no local e onde já haviam algumas pessoas aguardando. A cada minuto que se passava, a fila com pessoas sonolentas, cansadas, porém muito ansiosas, aumentava. As suas lanternas de cabeças todas ligadas deixavam aquela trilha bem iluminada, e com um visual interessante. O horário de abertura do check point era às 05:30 hrs.
O céu estava limpo e estrelado, indícios de que teríamos um dia perfeito em Machu Picchu. Como estávamos próximo da data do Inti Raymi, mais conhecido como solstício de inverno (24 de junho no hemisfério sul), data em que a Terra se encontra no ponto de sua órbita mais distante do Sol - começo do ano novo incaico, e evento associado ao próprio surgimento da etnia Inca - pegaríamos umas das melhores épocas para presenciar o nascer do sol no local, uma vez que as construções Incas foram construídos sempre baseando-se na posição em que o sol nasce e se põe.
Enfim chegou a hora da largada para o início do último trecho. Saímos todos em um forte ritmo de caminhada, sempre com muita atenção por causa dos penhascos que nos acompanharam ao nosso lado direito durante boa parte do trajeto. O tempo previsto para o percurso era de 2hs. Estávamos adrenalizados! Depois de 30 minutos de caminhada o sol já estava nascendo, uma bela luz começava a tomar conta de toda a paisagem, o céu azul sem nuvens. Nossa expectativa de tempo bom estava se concretizando. A cada passo a expectativa aumentava, e toda a fadiga dos dias sem banho e com dores no corpo, ia dando lugar à euforia de conhecer uma das sete maravilhas do mundo moderno.
Em pouco mais de uma hora cumprimos esse trecho. Chegamos à Porta do Sol! Que alegria! De lá a primeira vista de Machu Picchu. A emoção tomava conta de todos os grupos que iam chegando e completando essa jornada. Uns chorando de alegria e realização, outros ainda não compreendendo muito bem aquela obra dos Incas encrustada na natureza exuberante, porém todos com o sorrisos estampados nos rostos.
Depois de aproximadamente 40 minutos de contemplação de toda aquela energia e paisagem, seguimos para mais 30 minutos de caminhada até as construções arqueológicas. Ao chegar na cidade perdida dos Incas visitamos os principais locais, e aprendemos muito com as explicações de nosso querido e paciente guia. Por se tratar de um local muito turístico, apesar das restrições da quantidade de pessoas impostas pelo governo peruano, a grande quantidade de pessoas que transitavam no local nos incomodou um pouco, o que reforçou a conclusão de que vivenciar a experiência do caminho Inca, mesmo sendo a trilha curta de 2 dias (também existe essa opção!), é algo essencial para a visita se tornar mais especial e única, com um entendimento muito mais profundo de tudo o que envolve Machu Picchu e a sua história.
Após a visita, seguimos a pé para Machu Picchu Pueblo, também conhecida como Águas Calientes, em mais 1 hora da última trilha que faríamos, onde almoçamos em um restaurante indicado pelo Reynaldo. Com muito prazer, depois de 4 dias, utilizamos um banheiro completo e limpo com pia e privada, e assistimos ao jogo entre Espanha e Portugal da copa do mundo de futebol.
Essa experiência será eternamente guardada em nossos corações. Nos fez repensar muitas coisas, dentre elas o conceito de perto e longe, fácil e difícil. Os registros fotográficos são uma forma de compartilhar essa realização com as pessoas que convivem conosco. Esperamos também, de alguma maneira, incentivar mais gente a se jogar de cabeça em novas aventuras, sem medo de serem felizes.
Go out, get lost!